quinta-feira, 11 de junho de 2009

Fazer uma ópera numa escola do século XXI


Criado por Benjamin Britten, no final dos anos 40, o projecto Let’s Make an Opera (com libreto de Eric Crozier) propõe-se fazer da construção de uma ópera o próprio espectáculo. Originalmente, tal como foi concebido por Britten, o espectáculo apresenta na primeira parte uma peça de teatro habitada por uma família cujas crianças decidem construir uma ópera. Chamam-lhe The Little Sweep (O Pequeno Limpa-Chaminés) e a acção decorre no século XIX. Toda a primeira parte do espectáculo, ocupada pela escrita e pelos ensaios das crianças, é uma preparação do que vem a seguir, quando a ópera é então posta em cena. O libreto conta a história do pequeno Sam (João, na versão portuguesa), que é obrigado a trabalhar aos nove anos, vendido pelo pai aos limpa-chaminés e por eles explorado. O seu destino parece traçado até que um dia fica preso na chaminé da casa onde vive a família que conhecemos na primeira parte do espectáculo. As crianças descobrem Sam e resolvem libertá-lo de uma vida de escravidão. Dão-lhe banho, alimentam-no e ajudam-no a fugir.

Pode dizer-se que "Vamos Fazer uma Ópera – Um Entretenimento para Jovens", com estreia a 19 de Junho no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, é um espectáculo "completo". Tem teatro, tem música, tem ópera. No elenco tem crianças e adultos, tem solistas e coro, e mesmo o público é convidado a participar.

A nova versão portuguesa (com três actos) de
Let’s Make an Opera, embora fiel à ópera, integra um novo conceito: o encenador Paulo Matos, que já tinha montado este espectáculo nos anos 90, quis tornar a primeira parte muito mais abrangente e acentuar-lhe a importância. De uma casa particular, a acção passa para uma escola básica contemporânea, onde alunos e professores se propõem construir uma ópera. Mas Paulo Matos foi mais longe. "Procurei estabelecer um paralelo entre a primeira e a segunda parte do espectáculo, introduzindo na escola uma criança que também é vítima de exploração infantil, tal como o pequeno limpa-chaminés na ópera", explica o encenador. É assim que surge o João, um menor marginalizado, que se infiltra na escola com a intenção de roubar alguma coisa de valor o pai exige-lhe que leve dinheiro para casa, mas que ali procura também um lugar onde possa dormir e abrigar-se do frio. É descoberto pelos alunos da escola, que acabam por acolher com grande entusiasmo o novo colega. A sua salvação chega através de um projecto artístico que o integra na escola e que lhe dá a oportunidade de ser criativo e de brincar, com a mesma liberdade que têm as outras crianças. Vão construir uma ópera! No segundo acto, professores e alunos da turma de artes lançam mãos à obra, e envolvem-se num projecto escolar com todos os elementos essenciais de aprendizagem, onde não falta a investigação histórica que permite tecer uma narrativa do século XIX, com limpa-chaminés.
Para retratar a relação irreverente entre alunos e o ambiente de uma escola contemporânea, o encenador Paulo Matos acredita que é preciso utilizar uma linguagem actual, onde também cabe um vocabulário muitas vezes estranho aos adultos. Foi por isso que não abdicou de incluir nos diálogos da peça de teatro alguma linguagem vernacular, o calão. A pesquisa de expressões correntes entre os mais jovens fê-la com a ajuda dos seus filhos adolescentes, de 13 e 16 anos, e dos seus amigos, que criticam os aspectos que se afastam mais da realidade escolar. Paulo Matos salienta o bom resultado desta colaboração, através da reacção positiva das crianças seleccionadas para interpretar as personagens juvenis deste espectáculo: Na primeira reunião que tivemos, li com eles os textos e reconheceram-se imenso, diz o encenador com satisfação. No entanto, recusa qualquer aproximação à superficialidade e à forma de abordar as questões que caracterizam as séries de televisão dirigidas aos adolescentes: É preciso que daí nasça uma reflexão, o que não costuma acontecer nesse registo. Aqui estamos a desenhar uma alternativa, que é a escola construir um projecto artístico.

Na primeira parte do espectáculo, vemos o projecto escolar a nascer e a cada uma das personagens da primeira parte, alunos e professores, caberá um papel na ópera. Vamos assistir à organização e à estruturação desse projecto e depois a todas as fases de construção de um espectáculo: a criação de um libreto com os alunos (com o professor de Português), a composição da ópera (com o professor de Informática, que é o próprio maestro, Osvaldo Ferreira), a escolha dos solistas, a chegada dos músicos da orquestra, os primeiros ensaios musicais com o coro, a concepção dos cenários e dos figurinos (com a professora de Design), os primeiros desenhos e a sua construção. Há elementos de cenografia que serão finalizados em cena, revela o encenador. Até que finalmente tudo fica instalado e começa o verdadeiro espectáculo.

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