quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Cantata para un silencio - Centro Cultural Olga Cadaval


Esta foi definitivamente a mais louca experiência Kamikazi de toda a minha vida. Preparar uma obra contemporânea, em estréia mundial, de 270 páginas, para dois pianos, côro e solistas, em menos de dois dias, é de loucos. E tudo por culpa de uma malvada apendicite que atacaria subitamente a minha querida Carla Simões, impedindo-a de se apresentar no dito concerto. A alternativa seria o cancelamento. Decidi então arriscar. É claro que não fiz mais nada a não ser repetir ininterruptamente cada frase tentando absorver tudo o que me fosse possível. Foi um autêntico salto para a corda bamba. Felizmente tudo correu bem, e é isso que importa. Apesar das circunstâncias, tive a sorte de poder interpretar uma obra maravilhosa. Rítmos latino-americanos em contínua mutação, textos literários belíssimos, com uma paleta de cores impressionante. Gostaria muito de, oportunamente, voltar a fazê-la. Além de desejar rápidas melhoras à Carla, quero também agradecer o incansável apoio de todos os intervenientes. A todos ... Parabéns e muito obrigada.

Compositor - Daniel Shvetz
Selecção e montagem de textos - Paula Ramos
direcção - Jorge Carvalho Alves
Coro Sinfónico Lisboa Cantat
Francisco Sassetti (piano)
Paul Timmermans (piano)
Sónia Alcobaça (soprano)
Fernando Guimarães (tenor)
Manuel Rebelo (barítono)

O texto que serve de base à obra é uma montagem da prosa e poesia de cinco autores latino-americanos e um português. Nasceu do desafio feito pelo compositor, Daniel Shvetz, à escritora argentina Paula Ramos. O cubano Alejo Carpentier e o seu El reino de este mundo e Los pasos perdidos revelam-nos, com uma abordagem barroquista, uma visão lírica das primeiras épocas a seguir à colonização da América Central; o peruano Cesar Vellejo, um dos maiores representantes da poesia hispano-americana, brinda-nos com a sua constante inspiração e com as mais belas sonoridades do castelhano; Padre António Vieira, um dos pais da portugalidade e de língua portuguesa, através de excertos do seu conhecido Sermão de Santo António aos Peixes, dirigindo-se-lhes como se eles fossem homens; Manuel Scorza e a sua descrição, em prosa poética, das revoltas dos camponeses nos anos sessenta, em Redoble por Rancas; Juan Rulfo, considerado pelo seu único romance Pedro Páramo, o maior dos romancistas em língua espanhola, descreve como ninguém o silêncio nas suas diferentes vertentes, a distância, a solidão, a saudade, a busca impossível do parente perdido; e, finalmente, Jorge Luis Borges e a sua refinada forma de encadear pensamentos de forma particularmente sintética e clara.

3 comentários:

Daniel Schvetz disse...

Sem dúvida foi uma "kamizaqueada", mas valeu mesmo a pena Sonia, a tua entrega e o que dela resultou permitiu-nos avançar com esta estreia, que ficou marcada por essa tensão do inconnue, ainda continuam a dar voltas na minha cabeça as diversas secções desta obra que muito disfrutei, tanto ao compôr-lha, como ao seguir a sua montagem até a estreia. Terás oportunidade, e farei por isso, de representar novamente o papel que digníssimamente artísticamente e profissionalmente tens representado, e por isso estou, e estamos muito agradecidos. Mais um parabéms e obrigado...ate breve, Daniel Schvetz

Sónia Alcobaça disse...

Caríssimo, Daniel Schvetz, as suas palavras deixam-me muito comovida. Teria todo o prazer em voltar a interpretar esta sua obra. E, sinceramente, as melodias ainda me invadem o cérebro a toda a hora. Agradeço mais uma vez a oportunidade. Tudo de bom. Sónia

Miguel Romeiro disse...

Estive agora mesmo a (re)ouvir e não me canso. Foi fantástico de interpretar e é fantástico de ouvir. E não precisaria de saber das condições difíceis em que o fez para lhe dar os parabéns em particular pela interpretação. Mas, obrigado por essa entrega, porque sem ela, também eu e nós não poderíamos ter vivido este momento bem especial.