António Pinho Vargas estreia sábado uma nova ópera, com libreto de José Maria Vieira Mendes. Ana Dias Ferreira falou com os dois.
A história começa no Verão e acaba no Verão, uma volta de 360 graus através das quatro estações. Um ano de acção concentrado numa hora de ópera, com cinco cantores/personagens, 23 instrumentos e três espaços cénicos num só palco, visíveis em simultâneo. Pelo meio, um crime. Como se esta fosse uma ópera clássica, trágica, mas “em miniatura”, condensada. Uma ópera cuja história José Maria Vieira Mendes imaginou, e à qual o pianista e compositor António Pinho Vargas deu música. A estreia acontece este fim-de-semana, às 21.30, na Culturgest. A encenação é de André e. Teodósio.
Quando Pinho Vargas leu Outro Fim, o libreto encomendado pela Culturgest a Vieira Mendes em 2003, estava imerso na composição da sua terceira ópera, A Little Madness in the Spring. Ainda assim, à primeira leitura foi evidente: “Este pareceu-me o libreto mais conforme a uma ópera tradicional”, diz o compositor. “Trata-se de um drama familiar, e a clareza do texto, a plasticidade e a densidade psicológica das cinco personagens são muito adequados ao canto e à vocalidade.”
Como sempre, António Pinho Vargas começou pelo texto. Leu, releu, interpretou. E como tinha de começar a compor por algum lado, começou pela Mãe (no libreto é mesmo assim, as personagens não têm nome, são a Mulher, o Homem, o Irmão, a Cunhada e a Mãe). “Sendo uma ópera, a música existe em função das personagens”, diz o compositor, “e a primeira coisa que fiz foi tentar captar a musicalidade mais adequada à figura da mãe, que é uma personagem isolada, que não sai e quase não interfere com as outras personagens, mas é central”.
A segunda fase, continua Pinho Vargas, “foi compor lato sensu, tendo em conta o texto e a evolução das personagens”. Uma evolução “complexa”, considera o compositor, dando como exemplo a relação entre os dois irmãos: “No início da peça, um deles acabou de sair da prisão, não quer trabalhar, mas no fim da ópera apaixona-se e é o outro irmão que começa a beber e que está revoltado. Há uma troca de personagens muito interessante.”
Isso, essa troca de identidades, foi ideia de José Maria Vieira Mendes, que confessa que antes de escrever este libreto deu por si com a memória de uma cena do filme Persona, de Ingmar Bergman, em que os rostos de Liv Ullman e Bibi Andersson se sobrepõem.
Mas pensar a questão do outro não era tudo: “Tinha vontade de escrever um libreto condizente com um imaginário romântico de um espectador esporádico de espectáculos de ópera”, diz Vieira Mendes. “A morte do herói, o amor desencontrado, o suicídio ou homicídio, o desenlace trágico... Queria jogar com essa tradição clássica ao género Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Amor de Perdição ou West Side Story, e trazê-la para a pequena dimensão da ópera de câmara.” Espremendo, concentrando, fazendo a tal ópera trágica “em miniatura”. E assim dificultando a tarefa ao encenador.
André Teodósio, que já trabalhara com Vieira Mendes em Super-Gorila e Avarento ou a última festa, encontra no escritor um “prazer sádico em dificultar a realização da sua própria obra.” Como escreve o encenador nas notas ao programa, é como se o escritor acordasse e se pusesse a pensar em coisas difíceis de colocar em cena, como “o cair da noite, morrer e dar à luz, estações que mudam”. Pinho Vargas não ajudou muito. “Decidiu jogar o mesmo jogo”, diz Teodósio. “Compôs uma obra musical que joga claramente com a História da Música, com todos os géneros musicais, uma ópera que dilata e comprime, de uma complexidade técnica exímia.” E ainda tirou alguns músicos do tradicional fosso de orquestra e colocou-os em cima do palco, ao piano, nas cenas que se passam no café (as outras passam-se na casa do Irmão e da Cunhada e na casa da Mulher e da Mãe, mas está tudo à vista desarmada, lado a lado).
O título, Outro Fim, esse é “roubado” a um poema de Antero de Quental. Explica Vieira Mendes: “Em Outro Fim existe a ideia do tempo e do mundo redondo, com a passagem das estações do ano, dar a volta ao ano... E chega-se ao fim com a ideia de que se pode reiniciar. Mas este reinício, como está implícito no título, não seria para fazer o mesmo mas sim outra coisa”, continua o autor. “No fundo é a história da literatura. A história da linguagem. A história das artes: andar à volta das mesmas coisas mas sempre à procura de outras formas. À procura de um outro fim, mas nunca do fim definitivo.”
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